NEWS | “Não há aprendizagem sem esforço”: Lucia Santaella em entrevista

Fotografia de Lucia Santaella por Veramar Martins

Texto: Raniê Solarevisky de Jesus
Fotos: Veramar Martins

Para Lucia Santaella, a ubiquidade da comunicação (possível a qualquer tempo, de um ponto a qualquer outro no globo) é um desafio para o processo de ensino-aprendizagem de nossos dias. Entre os intervalos das apresentações do SIIMI, evento do MediaLab/UFG encerrado hoje (16), a pesquisadora conversou com o pessoal do CIAR sobre o assunto:

Como é possível ensinar alguma coisa ao homem de nosso tempo, já cercado de tanta informação e com ferramentas de pesquisa sempre à disposição?

Hoje temos a figura do leitor ubíquo e da aprendizagem ubíqua. Ambas trazem grandes desafios para a educação formal. O leitor ubíquo é aquele que tem um equipamento móvel à mão — um iPad ou mesmo um celular — com o qual pode buscar a informação que quiser a qualquer momento e em qualquer lugar. Essa possibilidade diferenciada cria aquilo que chamamos de aprendizagem ubíqua. Mas aí é necessário definir o que é “aprender”. Nem tudo o que buscamos nas redes vai ser incorporado como aprendizagem: muita coisa é apenas informação puramente operacional. Antes de vir pra cá, por exemplo, procurei saber como é que estaria o tempo em Goiânia durante esses três dias [do evento]. Amanhã não vou me lembrar disso, nem guardar na minha cabeça: isso não é aprendizagem. Não há aprendizagem sem esforço.

Aprender siginifica expandir o seu repertório, e para fazer isso, é preciso absorver aquela informação para que ela possa ser usada quando chega o caminho para isso, numa visão pragmática. A aprendizagem tem valor nos efeitos sensíveis que ela provoca, e para isso ela precisa ser memorizada. Assim, a rede nos oferece esses dois tipos de leitura e aprendizagem: um caminho de uso e descarte rápido da informação e um outro em que absorvemos informações que nos modificam de alguma forma.

E como fica o papel do professor, quanto à mediação desse processo em nossos dias? Qual a avaliação sobre os ambientes online do ensino a distância, por exemplo?

Nesse caso você se refere à educação formal; e a aprendizagem ubíqua escapa às características desse tipo de educação. Por outro lado, a educação formal não pode ficar alheia a esse processo. Ela precisa incorporar essas tecnologias numa estratégia de complexidade e como coadjuvantes. Não acredito na educação a distância sem vínculos presenciais. Ela é mais barata, mas o vínculo presencial por enquanto, nessa condição atual do humano, é fundamental.

Por qual motivo?

A presença do outro é muito importante. É claro que existe hoje uma aprendizagem colaborativa, em que os jovens têm dúvida sobre um trabalho e recorrem aos colegas; isso é aprendizagem colaborativa: recorrer ao colega que sabe mais do que você também é a certeza de uma troca em que você pode assumir o papel daquele que sabe mais no futuro. Mas a situação da sala de aula ainda me parece ser fundamental. Creio que num futuro próximo isso poderá ser substituído, porque toda tecnologia traz ganhos e perdas.

Mas outra coisa importante é a figura do professor inspirador. Porque é ele quem desperta o desejo de conhecer e de saber. Por mais inteligentes que sejam as interfaces computacionais, elas não substituem esse tipo de coisa… Por enquanto. Estamos falando apenas da situação atual.

O uso de jogos e atividades lúdicas no ensino, a chamada gameficação, mencionada em alguns dos trabalhos apresentados no SIIMI, pode ser uma saída?

Veja, aí há um problema: trata-se apenas de uma possibilidade; é apenas uma das facetas; não vamos resolver tudo com gamificação. A gamificação é uma expansão dos atributos do jogo eletrônico para outras situações, readaptando suas características para um uso específico. O mais importante da gamificação é o desafio e o prazer que o jogo proporciona.

Assim, é preciso propor uma atividade que seja desafiante, porque mesmo num jogo solitário, o desafio é sempre uma alteridade. Portanto, todo jogo é um diálogo: mesmo que não exista outra pessoa jogando com você, a realidade virtual do jogo consegue criar essa situação.

Por outro lado, sem prazer não há aprendizagem; se não existe o prazer da busca, do encontro com o outro, não há aprendizagem. Então a gamificação é uma das possibilidades de se criar hoje material pedagógico que traga esses atributos. Para além dessa alternativa, mas incluindo o seu uso, uma das grandes urgências na realidade brasileira é a de criar material pedagógico para uso em tablets. No primeiro mundo, em países que investem com coerência na educação, o livro didático já começou a desaparecer. Numa aula de Física, por exemplo, são substituídos por vídeos nos tablets dos estudantes. São materiais didáticos coadjuvantes do professor. O vídeo projetado pelo professor pode ser levado para casa pelos alunos: imagine o que vira a aula.

Portanto, o avanço nessa área existe, mas tem sido implementado de forma muito lenta. Temos projetos aqui e ali que são controversos e/ou mal informados. Vimos, por exemplo, a discussão ontem entre uma pesquisadora que apresentava um projeto de gamificação mas não queria ouvir um estudante que é um gamer, jogador assíduo de videogames. Ela tinha que ouvi-lo; ele é o jogador. Jogos educativos não podem ser chatos.

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